De censurados a beijos no horário nobre: a evolução dos gays nas novelas
Ao longo dos anos, a comunidade LGBT conquistou uma série de direitos, e muito disso se reflete nas novelas. Antes censurados ou retratados como figuras exóticas, lésbicas, gays, bissexuais e trans ganharam representação e relevância nas tramas.
Um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo, por exemplo, antes visto como impossível, é hoje comum nos folhetins. Às vésperas da Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, considerada uma das maiores do mundo, o UOL relembra um pouco dessa trajetória na teledramaturgia:
"Problemas sexuais"
Nos anos 60, durante um teleteatro, Vida Alves e Geórgia Gomide protagonizaram o que é consideram o primeiro beijo gay da história da televisão. Ary Fontoura viveu em Assim na Terra Como no Céu (1970), de Dias Gomes, o costureiro Rodolfo Augusto, considerada uma das primeiras representações de um homem gay na história das novelas.
Entretanto, a comunidade enfrentava resistência da ditadura militar (1964-1985). A censura proibia referências a homossexuais em novelas. O caso de Brilhante (1981), de Gilberto Braga, é emblemático. Na trama, o personagem de Dennis Carvalho, Inácio, era gay, mas o termo não podia ser utilizado por causa da censura. Como ele era central para a trama, o autor disse que a restrição estava atrapalhando a história.
Fernanda Montenegro, que interpretava Chica Newman, vilã da história, insistiu tanto que Gilberto conseguiu incluir uma fala na novela em que uma personagem falava sobre "os problemas sexuais" de Inácio.
Morte, aceitação, explosão
A censura continuou no Brasil até a promulgação da Constituição de 88. Até então, novelas eram rigorosamente analisadas, e os homossexuais ainda eram alvos. Foi o caso de Vale Tudo (1988), na qual o casal Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Cristina Prochaska) tiveram diálogos cortados e cenas reescritas. Ao longo da trama, Cecília acabou morrendo, mas Gilberto Braga, um dos autores da novela, garantiu que isso não tinha relação com a censura. A história discutiu o direito a herança dos bens do casal para Laís.
O fim da censura permitiu que homossexuais fossem mais livremente retratados na dramaturgia, permitindo casos como o da novela "A Próxima Vítima" (1995), que mostrou o relacionamento entre os adolescentes, Sandrinho (André Gonçalves) e Jeferson (Lui Mendes), que buscaram a aceitação das famílias. Mas como a história não é feita só de avanços, em 1998, o casal vivido por Silvia Pfeifer e Chrtistiane Torloni em Torre de Babel foi tão rejeitado pelo público que o autor da novela, Silvio de Abreu, tomou uma decisão das mais drásticas: matou as duas em uma explosão.
O beijo proibido
Em 2001, Claudia Raia deu vida a uma das primeiras representações de uma transexual na televisão brasileira, com a personagem Ramona, uma mulher que voltava ao Brasil após a transição de gênero em As Filhas da Mãe. Na época, a personagem não foi bem aceita pelo público.
Apesar disso, os anos 2000 viram diversos casais homossexuais conquistarem a audiência. As adolescentes Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) se apaixonaram e enfrentaram o preconceito em Mulheres Apaixonadas (2003). A Globo chegou a encomendar uma pesquisa na época que mostrou que o público simpatizava com as personagens, com uma ressalva: elas não podiam se beijar. Mesmo assim, as duas deram um selinho no último capítulo, durante uma encenação de Romeu e Julieta.
Mas foi em América (2005), de Gloria Perez, que um casal homoafetivo se destacou. Bruno Gagliasso cativou os espectadores com seu sensível Júnior e criou-se uma real expectativa de que ele e seu amado Zeca (Erom Cordeiro) pudessem se beijar no final. Os atores gravaram a cena diversas vezes, mas, aos 45 do segundo tempo, a emissora decidiu não levar o beijo ao ar. A autora disse que entendeu os motivos, mas nunca negou sua frustração pelo corte.
A TV sai do armário
Foi só nos anos 2010 que as telenovelas brasileiras mostraram casais gays naturalmente, um avanço histórico, mas não sem resistências. O primeiro beijo entre duas mulheres na história das novelas não foi na Globo, mas no SBT. As personagens Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Giselle Tigre) se beijaram na novela que, não por acaso, se chamava Amor e Revolução (2011). A cena enfrentou resistência até dentro da própria emissora, que não voltou a exibir outros beijos entre as duas ou entre outro casal gay da trama.
Com uma repercussão bem maior, o primeiro beijo entre homens em uma novela aconteceu em 2013 em Amor à Vida, em pleno horário nobre da Globo. Félix (Mateus Solano), vilão redimido e de longe o personagem mais popular da história de Walcyr Carrasco, engatou um romance com Niko (Thiago Fragoso), que não só foi comemorado pelo público, como gerou torcida pelo beijo.
Novos rumos
Depois da boa repercussão do beijo entre Félix e Niko --e nenhum morto ou ferido por isso--, finalmente foi o fim do tabu sobre personagens homossexuais na TV, certo? Bem, não foi bem assim. Novela escalada para celebrar os 50 anos da Globo, em 2015, Babilônia ousou ao mostrar o amor entre duas mulheres na terceira idade. O beijo protagonizado por Nathalia Timberg e Fernanda Montenegro causou alvoroço e foi apontado como uma das razões da forte rejeição à trama, principalmente após os protestos de setores mais conservadores.
Com ou sem rejeição, no entanto, os autores não deixaram de incluir representações de casais LGBT nas novelas, que espelham os avanços da sociedade. Em 2016, a primeira cena de sexo entre dois homens foi vivida pelos atores Ricardo Pereira e Caio Blat em Liberdade, Liberdade. No ano seguinte, o público acompanhou atento a transição de Ivana em Ivan (Carol Duarte) em A Força do Querer. Fim das barreiras? Em meio à onda conservadora é cedo para comemorar. Mas 2018 viu a inédita marca de cinco beijos entre casais homossexuais em novelas diferentes.
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