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Retrospectiva 2018: o ano em que as novelas prometeram mas não cumpriram

Nilson Xavier

21/12/2018 07h00

Giovanna Antonelli em "Segundo Sol" | Edson Celulari em "O Tempo Não Para" | Bruna Marquezine em "Deus Salve o Rei"

É curioso notar que as consideradas melhores novelas de 2018 são duas produções que estrearam em 2017: "Tempo de Amar" e a temporada "Viva a Diferença" da "Malhação". A novela das seis foi exibida a metade em 2017 e a outra metade em 2018, passando muito bem pelo teste do verão (quando as audiências tendem a diminuir) – as novelas seguintes no horário não atingiram o mesmo patamar no Ibope. Entre as qualidades de "Tempo de Amar", o texto primoroso de Alcides Nogueira, a direção de Jayme Monjardim e o elenco bem escalado, em vários personagens interessantes. Uma novela bonita e escrita com sensibilidade.

Já "Viva a Diferença" causou um verdadeiro frisson na televisão. Assinada por Cao Hamburguer, entrou para a história como uma das melhores temporadas da "Malhação", emocionou o público de todas as idades e injetou novo gás a velhas fórmulas de dramaturgia voltada ao público adolescente. Sou mais propenso a considerá-la uma produção de 2017, já que a maior parte da novela aconteceu no ano passado. Lastima-se que a temporada substituta, "Vidas Brasileiras", esteja tão aquém, com uma trama mal urdida alicerçada em cansativos discursos de pautas sociais.

Outra novela de 2017 que terminou em 2018 foi "O Outro Lado do Paraíso", de Walcyr Carrasco, um sucesso retumbante de audiência (o maior Ibope desde "Avenida Brasil", de 2012), conquistado com um dos piores textos já apresentados na TV brasileira. Um festival de clichês e temas sociais mal desenvolvidos que nem a direção de Mauro Mendonça Filho e o elenco (de muitos atores tarimbados) conseguiram salvar da crítica generalizada, de especialistas e do próprio público. Porém, Carrasco e Globo sorriram largamente com a audiência da novela nas alturas durante os mais de seis meses em que ela esteve no ar.

Sérgio Marone em "Apocalipse" | Tony Ramos e Letícia Sabatella em "Tempo de Amar" | Marieta Severo em "O Outro Lado do Paraíso"

"Apocalipse", trama bíblica da Record TV que estreou no final de 2017, foi o maior desastre da Teledramaturgia em 2018. Era altíssima a expectativa de sucesso com a transposição para a TV do livro bíblico. Mas os problemas já apareceram na escalação. Um elenco numeroso, dividido em várias fases, que só confundiram o público, e a escolha de Sérgio Marone para o papel do Anticristo. A novela enfrentou uma crise na audiência, muito abaixo da ansiada pela emissora, e desencadeou uma das maiores crises internas da dramaturgia da Record: o desentendimento entre a autora Vívian de Oliveira e a supervisora da Igreja Universal, Cristiane Cardoso, que culminou com o afastamento de Vívian pouco antes do término da novela. O último capítulo de "Apocalipse" deixou transparecer esse desfecho monótono. Uma lástima.

Como contrapeso, a novela bíblica substituta, "Jesus", conseguiu levantar a moral da dramaturgia da emissora, devolvendo os esperados dois dígitos na audiência. Apenas uma ressalva para um velho problema da Record: a escalação de protagonistas. Depois de tanta especulação (a campanha de Théo Becker para ficar com o papel-título ganhou a mídia), optou-se por Dudu Azevedo. Um personagem como Jesus merecia um ator não tão cru para tamanha responsabilidade.

Thaís Melchior e Sophia Valverde em "Poliana" | Juliana Paiva em "O Tempo Não Para" | Marquezine e Marina em "Deus Salve o Rei"

Com a estreia de "As Aventuras de Poliana", o SBT viveu bons momentos na dramaturgia em 2018. Uma grande campanha de lançamento chamou a atenção do público, garantindo a ótima audiência nos primeiros meses de exibição. Entretanto, "Poliana" padece do mesmo problema das novelas infantis anteriores: o cansaço. Haja fôlego para levar adiante mais de um ano de trama. "Carinha de Anjo", a atração anterior, precisou de muita enrolação e muitos clipes musicais para permanecer um ano e meio no ar. A previsão de "Poliana" é ir além dos dois anos. Mas mal completou um aniversário e já começa a cansar. Fecha 2018 perdendo o status de "fenômeno", alcançado nos primeiros meses.

"Deus Salve o Rei" foi a primeira novela da Globo a estrear em 2018. Um primor técnico e artístico poucas vezes vistos na televisão brasileira. Não seria exagero afirmar que "Deus Salve o Rei" contribuiu para um aperfeiçoamento do padrão de produção. Entretanto, a novela, inspirada na estética medieval, ficou devendo em trama. Uma história mal alinhavada, contada a solavancos, como se estivesse o tempo todo tateando na tentativa de encontrar um rumo. O que tinha de bonita, faltou no conteúdo. Destaco, além da técnica e da beleza estética, o trabalho do ator Johnny Massaro, como o parvo príncipe Rodolfo.

A substituta no horário das sete, "O Tempo Não Para", chegou a causar sensação. A deliciosa trama dos congelados no século 19, que despertam para um admirável mundo novo na atualidade, chamou a atenção pelo texto inspirado do autor Mário Teixeira, a direção de Leonardo Nogueira e o elenco bem escalado (com destaque para Edson Celulari). No texto, ainda uma crítica pontual, divertida e espirituosa ao racismo, machismo e outras questões sociais modernas. Porém, o que era temido na estreia se confirmou. Em dois meses, a novela havia esgotado o seu maior charme: as reações e o processo de adaptação dos congelados ao novo tempo. Ficou a impressão de que os personagens se adaptaram facilmente, enfraquecendo assim a história. Com isso, "O Tempo Não Para" caiu no lugar comum. Talvez essa trama não rendesse uma novela de seis meses.

Chay Suede e Letícia Colin em "Segundo Sol" | Grace Gianoukas e Alessandra Negrini em "Orgulho e Paixão"

2018 foi o ano das novelas que começaram bem e desandaram. Ou, muito prometeram e não cumpriram.

Eu não diria que "Orgulho e Paixão" desandou. Mas deu uma canseira. O autor Marcos Bernstein mostrou habilidade em conduzir uma história ágil e cheia de acontecimentos. Para tanto, abusou da fantasia. Abusou mesmo! Em meio a ótimos personagens, outros maniqueístas (vilões maus demais, mocinhos bons demais) ou chatos demais (o casal protagonista). Inaugurou um estilo em nossa teledramaturgia: a novela Disney, referência à estética e narrativa do universo Disney (entrechos de desenho animado, heroínas princesas e vilãs malévolas). Agradou uma parcela do público. Valeu pelas ótimas interpretações de Gabriela Duarte, Ary Fontoura e a dupla Grace Gianoukas e Alessandra Negrini.

"Segundo Sol", de João Emanuel Carneiro, chegou com tudo. Primeiras semanas ágeis, estética colorida e solar, cultura e sotaque baianos, revival do axé dos anos 90, elenco afiado e uma trama que prometia. Mas ficou na promessa. Nem o revival do axé vingou! Logo no início, a novela foi perdendo fôlego. Durante o período da Copa, parecia que João Emanuel havia ido à Rússia e deixado a novela em banho-maria. A Copa terminou e a história da falsa morte do cantor continuou patinando, até se esgotar definitivamente e ceder destaque à trama da marisqueira que lutava para provar sua inocência, mas que vivia caindo nas ciladas dos vilões em entrechos para lá de forçados. Nessa, brilharam Adriana Esteves, Deborah Secco e Letícia Colin, enquanto Giovanna Antonelli amargou um de seus piores momentos na TV. Que bom que a novela revelou ao Brasil o talento das experientes Kelzy Ecard (Nice) e Claudia di Moura (Zefa).

León de "O Sétimo Guardião" | Vitória Strada e João Vicente de Castro em "Espelho da Vida"

Citei novelas que começaram bem e desandaram. E as que nem começaram bem?

"Espelho da Vida", a trama espiritualista de Elizabeth Jhin, confundiu o público, que não assimilou bem a arrastada história da moça que vive duas vidas através de um espelho. De quebra, um protagonista (ou antagonista) pouco carismático (o grosseirão Alain, de João Vicente de Castro). Medidas foram tomadas para contornar a rejeição e as cenas no passado, mais atraentes, já estão mais frequentes. Tomara que engrene! A autora tem potencial e já apresentou excelentes trabalhos anteriormente.

"O Sétimo Guardião", de Aguinaldo Silva, está tendo um começo insosso. É a promessa da volta por cima do autor ao realismo fantástico, narrativa que o consagrou nos anos 1990 e que ele havia abandonado. Mas a estética sob o comando de Rogério Gomes parece sublinhar um contraponto entre autor e diretor. Tomara que seja só uma impressão de que Aguinaldo escreve uma coisa e Rogério dirige outra. Para piorar, a trama, confusa, está mal explicada (o UOL tenta explicar AQUI). O fato é que a novela ainda não pegou. Vamos precisar esperar 2019 para saber se a história terá força suficiente para seis meses de capítulos diários.

Que o ano que inicia traga melhores novelas para nossa diversão!

Leia também:
"Troféu UOL TV & Famosos: Críticos revelam os melhores da TV em 2018";
Padiglione: "Público rejeita terror e aprova delegado fetichista em 7º Guardião";
Feltrin, "Espelho da Vida tem pior audiência às 18h desde 2015";
Ricco, "Não pode linkar JN com novela, diz Aguinaldo Silva".

Fotos: divulgação, por suas respectivas emissoras.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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